Auschwitz. Penso que vi o nome pela primeira vez quando li o “Diário de Anne Frank”; dizia, no prefácio, que era um dos campos para o qual a família tinha sido enviada. Aos 10 anos, pouco ou nada sabia sobre a 2ª Guerra Mundial ou o Holocausto. Do “Diário…” permaneceu a admiração, a reflexão, o desconforto; o nome, esse tal, ficou gravado como uma memória distante. Depois chegaram as aulas de História: fascismo, a ascensão de Hitler ao poder, nazismo, anti-semitismo, a invasão da Polónia, 3 de Setembro de 1939, Aliados, Dia D, conceitos e acontecimentos, os campos de concentração, extermínio, e as imagens. Corpos emaciados, deitados ou de pé naqueles tabiques, olhar vazio. Não eram tão “gráficas” como as que mais tarde pesquisei e vi, mas já indiciavam o horror que queriam denunciar. Antes ou depois disto, não consigo precisar, vi na televisão o filme “A Vida É Bela”e depois, mais tarde, “A Lista de Schindler” e assim também fiquei mais próxima do tema do Holocausto. Quis saber mais, devo ter procurado nas enciclopédias Larousse dos meus pais, se calhar já alguma coisa na Internet. Era impressionante e desconfortável o que fui aprendendo, era um horror inimaginável, profundo, atroz! Lembro-me de ler que Eisenhower ordenou que se fotografassem e filmassem os campos de concentração, para que a memória não fosse perdida ou, e isto é assustador, não fosse negada. Na Alliance Française, um dos exercícios passava por ler notícias ou crónicas, e já se falava da Frente Nacional e da sua xenofobia, depois na televisão também se começou a falar deste partido e do seu (execrável) líder Le Pen, que dizia, entre muitas outras, barbaridades também sobre o Holocausto.
Auschwitz e Holocausto são indissociáveis. Auschwitz será certamente o campo de concentração e extermínio mais conhecido. Mas não era, infelizmente, o único; existiam dezenas espalhados pelo Reich. Uns, como Treblinka e Sobibór, tinham como único objectivo o extermínio, eram campos de morte. Auschwitz começou como um campo de concentração, de trabalho, só mais tarde passou a funcionar também como um de extermínio. Porquê este relevo, este “fascínio”? Não será difícil supor as razões. Falar de Auschwitz é falar de mais de um milhão de mortos, um milhão dos quais judeus. Falar de Auschwitz é falar de Mengele e das suas abjectas experiências. Falar de Auschwitz é ver as fotografias dos sobreviventes, dos cadáveres, dos crematórios, dos pertences abandonados. Falar de Auschwitz é relembrar o hediondo significado das palavras: “Arbeit macht frei / O trabalho liberta”. Falar de Auschwitz é ouvir e ler os testemunhos dos sobreviventes. Falar de Auschwitz é sentir-se “sufocado” pelo horror. Há uns tempos vi “Nuit et Brouillard”, excelso documentário de Renais, e assistir àquela sucessão de imagens de horror e de desumanidade rouba-nos de facto algo de nós, é impossível permanecer o mesmo. Falar de Auschwitz é também perguntar como e porquê e não esquecer as respostas. É importante conhecer e reflectir sobre a ideologia que conduziu ao Holocausto. O anti-semitismo esteve sempre presente nos discursos de Hitler. As restrições aos judeus começaram muito antes da guerra. A violência também; não esqueçamos, por exemplo, a “Kristallnacht”. E contudo, ser confrontado com a progressão da Solução Final é deveras desolador e assustador, porque demonstra, com uma crua clareza, que não houve limites para a depravação e monstruosidade do regime nazi. As câmaras de gás, em todo o seu horror, foram a arma eficaz e célere de assassinar milhões de prisioneiros. Mas ler, em “Auschwitz – Os Nazis e A Solução Final”, que a sua idealização surgiu pela procura de “um método que provocasse menos danos psicológicos “ aos nazis é algo tão estranho quanto revoltante. “Era, no entanto, certo para os nazis em Auschwitz que o uso do Zyklon B tornava o processo mais «suave». A partir de então, os assassinos já não tinham de olhar as vítimas nos olhos, enquanto as matavam. Hoess relatou como estava «aliviado» por se ter encontrado aquele novo método e como isso o «poupava» a um «banho de sangue». Estava enganado. O verdadeiro banho de sangue mal tinha começado.”
Ler estes relatos é arrepiante. Ler sobre as famílias separadas, o transporte em vagões como animais, as selecções, a tortura e violência perpetradas pelas SS e pelos guardas, as experiências médicas, a fome e o frio, a perda da dignidade e da identidade, as marchas da morte, é sem dúvida arrepiante. É, e recupero uma frase que escrevi sobre “Nuit et Brouillard”, perder “algo de nós para que nunca esqueçamos”. E assim, falar de Auschwitz é também, e principalmente, nunca esquecer. Falo agora de Auschwitz como um símbolo. Um símbolo da perseguição e extermínio dos judeus, de outras minorias e opositores. Um símbolo dos outros campos de horror, Dachau, Treblinka, Bergen-Belsen, Chelmno, Buchenwald, citando apenas alguns. Um símbolo do extremismo e da desumanidade. Do mal absoluto. Um símbolo da “percepção do que seres humanos educados e tecnologicamente avançados podem fazer desde que possuam um coração frio” (in Auschwitz - Os Nazis e A Solução Final). Por isso, é vital, e permitam-me a repetição, nunca esquecer. Lamento aqueles que não conhecem esta realidade da História, mas assustam-me ainda mais aqueles que o minimizam, o desprezem, o negam. É simplesmente abjecto. O Holocausto foi um acontecimento único, como todos os acontecimentos são. Mas, e volto ao livro “Auschwitz…”, “julgada à luz do contexto de meados do século XX, a cultura sofisticada da Europa, Auschwitz e a Solução Final dos nazis representam o acto mais baixo em toda a história”. Aprendamos com o que se passou, então. Não esqueçamos nunca, então. Recordemos, sempre, para assim honrar as vítimas e os sobreviventes, para não repetir um passado que não é assim tão distante.
(imagens retiradas do Pinterest)