"Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.

(in Memorial do Convento)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

The Girl With The Dragon Tatto



As árvores despidas flanqueiam o percurso do automóvel. Na imensidão que o seu olhar alcança, ele só vê o silêncio do branco gélido. Ao fundo, a alva mansão ergue-se na sua própria imponência, indiferente ao Inverno agreste. Altivez manchada apenas pela dor de um mistério que os olhos do velho homem reflectem há quatro décadas. Ele devolve-lhe no olhar o compromisso de uma investigação. O frio sela o aperto de mão entre os dois homens, assombrados pela beleza das flores secas que se confundem já com a memória da jovem mulher.

O dragão conquista-lhe os traumas e as fraquezas. Corpo franzino num olhar forte, ela quer ser apenas mais um vulto na multidão. O preto agressivo das roupas camufla a dualidade que o seu ser encerra.

Cruzam-se sem aviso, na turbulência do ódio e do horror externos. Unidos na busca pela verdade e justiça. De súbito, são engolidos pela sua imensidão. A ilha é agora uma inquieta ameaça. Estreitando-se, a estrada é agora opressora e perigosa.




domingo, 1 de janeiro de 2012


Os ramos semi-nus pendem em direcção ao Douro, num lamento de folhas caídas. Um manto em tons de Outuno que já quase ninguém pisa. O riso das crianças  não anima mais os baloiços. Nem sobressalta os mais velhos em busca de descanso e cura termais. Os  cálidos repuxos estão agora imóveis. Num edifício fantasma, a tinta gasta assombra as pitorescas inscrições de tempos antigos.

Hoje, contudo, os nobres portões de ferro foram transpostos, num passeio a dois. As nossas gargalhadas ressoaram pelas férteis encostas. Num repente, um inesperado visitante de quatro patas juntou-se a nós, desejoso de brincadeira. Fizemos-lhe a vontade e ele correu em busca da esfarrapada bola, levantando terra e folhas pelo ar, num salutar desassossego. Nós despedimo-nos, preenchendo o olhar, a memória e o coração com a quietude e beleza deste recanto à beira-rio esquecido.