"Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.

(in Memorial do Convento)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Auschwitz - 70 anos



Auschwitz. Penso que vi o nome pela primeira vez quando li o “Diário de Anne Frank”; dizia, no prefácio, que era um dos campos para o qual a família tinha sido enviada. Aos 10 anos, pouco ou nada sabia sobre a 2ª Guerra Mundial ou o Holocausto. Do “Diário…” permaneceu a admiração, a reflexão, o desconforto; o nome, esse tal, ficou gravado como uma memória distante. Depois chegaram as aulas de História: fascismo, a ascensão de Hitler ao poder, nazismo, anti-semitismo, a invasão da Polónia, 3 de Setembro de 1939, Aliados, Dia D, conceitos e acontecimentos, os campos de concentração, extermínio, e as imagens. Corpos emaciados, deitados ou de pé naqueles tabiques, olhar vazio. Não eram tão “gráficas” como as que mais tarde pesquisei e vi, mas já indiciavam o horror que queriam denunciar. Antes ou depois disto, não consigo precisar, vi na televisão o filme “A Vida É Bela”e depois, mais tarde, “A Lista de Schindler” e assim também fiquei mais próxima do tema do Holocausto. Quis saber mais, devo ter procurado nas enciclopédias Larousse dos meus pais, se calhar já alguma coisa na Internet. Era impressionante e desconfortável o que fui aprendendo, era um horror inimaginável, profundo, atroz! Lembro-me de ler que Eisenhower ordenou que se fotografassem e filmassem os campos de concentração, para que a memória não fosse perdida ou, e isto é assustador, não fosse negada. Na Alliance Française, um dos exercícios passava por ler notícias ou crónicas, e já se falava da Frente Nacional e da sua xenofobia, depois na televisão também se começou a falar deste partido e do seu (execrável) líder Le Pen, que dizia, entre muitas outras, barbaridades também sobre o Holocausto.





Auschwitz e Holocausto são indissociáveis. Auschwitz será certamente o campo de concentração e extermínio mais conhecido. Mas não era, infelizmente, o único; existiam dezenas espalhados pelo Reich. Uns, como Treblinka e Sobibór, tinham como único objectivo o extermínio, eram campos de morte. Auschwitz começou como um campo de concentração, de trabalho, só mais tarde passou a funcionar também como um de extermínio. Porquê este relevo, este “fascínio”? Não será difícil supor as razões. Falar de Auschwitz é falar de mais de um milhão de mortos, um milhão dos quais judeus. Falar de Auschwitz é falar de Mengele e das suas abjectas experiências. Falar de Auschwitz é ver as fotografias dos sobreviventes, dos cadáveres, dos crematórios, dos pertences abandonados. Falar de Auschwitz é relembrar o hediondo significado das palavras: “Arbeit macht frei / O trabalho liberta”. Falar de Auschwitz é ouvir e ler os testemunhos dos sobreviventes. Falar de Auschwitz é sentir-se “sufocado” pelo horror. Há uns tempos vi “Nuit et Brouillard”, excelso documentário de Renais, e assistir àquela sucessão de imagens de horror e de desumanidade rouba-nos de facto algo de nós, é impossível permanecer o mesmo. Falar de Auschwitz é também perguntar como e porquê e não esquecer as respostas. É importante conhecer e reflectir sobre a ideologia que conduziu ao Holocausto. O anti-semitismo esteve sempre presente nos discursos de Hitler. As restrições aos judeus começaram muito antes da guerra. A violência também; não esqueçamos, por exemplo, a “Kristallnacht”. E contudo, ser confrontado com a progressão da Solução Final é deveras desolador e assustador, porque demonstra, com uma crua clareza, que não houve limites para a depravação e monstruosidade do regime nazi. As câmaras de gás, em todo o seu horror, foram a arma eficaz e célere de assassinar milhões de prisioneiros. Mas ler, em “Auschwitz – Os Nazis e A Solução Final”, que a sua idealização surgiu pela procura de “um método que provocasse menos danos psicológicos “ aos nazis é algo tão estranho quanto revoltante. “Era, no entanto, certo para os nazis em Auschwitz que o uso do Zyklon B tornava o processo mais «suave». A partir de então, os assassinos já não tinham de olhar as vítimas nos olhos, enquanto as matavam. Hoess relatou como estava «aliviado» por se ter encontrado aquele novo método e como isso o «poupava» a um «banho de sangue». Estava enganado. O verdadeiro banho de sangue mal tinha começado.” 

Ler estes relatos é arrepiante. Ler sobre as famílias separadas, o transporte em vagões como animais, as selecções, a tortura e violência perpetradas pelas SS e pelos guardas, as experiências médicas, a fome e o frio, a perda da dignidade e da identidade, as marchas da morte, é sem dúvida arrepiante. É, e recupero uma frase que escrevi sobre “Nuit et Brouillard”, perder “algo de nós para que nunca esqueçamos”. E assim, falar de Auschwitz é também, e principalmente, nunca esquecer. Falo agora de Auschwitz como um símbolo. Um símbolo da perseguição e extermínio dos judeus, de outras minorias e opositores. Um símbolo dos outros campos de horror, Dachau, Treblinka, Bergen-Belsen, Chelmno, Buchenwald, citando apenas alguns. Um símbolo do extremismo e da desumanidade. Do mal absoluto. Um símbolo da “percepção do que seres humanos educados e tecnologicamente avançados podem fazer desde que possuam um coração frio” (in Auschwitz - Os Nazis e A Solução Final). Por isso, é vital, e permitam-me a repetição, nunca esquecer. Lamento aqueles que não conhecem esta realidade da História, mas assustam-me ainda mais aqueles que o minimizam, o desprezem, o negam. É simplesmente abjecto. O Holocausto foi um acontecimento único, como todos os acontecimentos são. Mas, e volto ao livro “Auschwitz…”, “julgada à luz do contexto de meados do século XX, a cultura sofisticada da Europa, Auschwitz e a Solução Final dos nazis representam o acto mais baixo em toda a história”. Aprendamos com o que se passou, então. Não esqueçamos nunca, então. Recordemos, sempre, para assim honrar as vítimas e os sobreviventes, para não repetir um passado que não é assim tão distante.




(imagens retiradas do Pinterest)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Across The Universe



Não tivemos medo de o dizer um ao outro. Nem precisámos da língua inglesa, como a música aconselhou. Sorris-me e sei que as nuvens cinzentas são apenas meros e frágeis adornos de um dia que não desabrochou connosco. Olho-te por entre o turbilhão que nos rodeia e devolves-me a certeza do amanhã, na intimidade de um silêncio, no calor do teu abraço.


"Limitless undying love which shines around me like a million suns.
It calls me on and on, across the universe."

(Across The Universe - The Beatles)


sábado, 28 de dezembro de 2013

Adeus



Permiti que regressasses. Inebriada de boa vontade e esperança, aproximei-me, chamei-te a mim. Acto tão dolorosamente em vão. Sob essa máscara de ingenuidade que tanto cultivas e gostas, és o cobarde e o mentiroso que um dia suspeitei ver, por entre meias palavras e efémeros actos. Não posso esquecer. Não consigo perdoar-te. Por isso, não finjas uma atitude honrosa. O meu coração está-te fechado. Sem lágrimas, sem arrependimentos. Não mereces nenhum.


domingo, 1 de dezembro de 2013



Repouso no banco de jardim, encostada aos doces versos de António Aleixo. Vejo-o chegar, chapéu de feltro e um olhar de carinho e antecipação. Pousa a bicicleta contra a parede de branco caiada e, no que supus já ser um ritual, começa a devolver os pertences à sua morada de setenta anos. Primeiro a cana de pesca, totem de maresia e Guadiana, cúmplice de histórias várias e companheira silenciosa de tantas outras reflexões. Segue-se a caixa de utensílios, um saco de compras, uma outra pequena caixa. Por último, resta-lhe apenas o velho velocípede. É então que reparo no cesto. Sozinha naquele aparente mundo masculino, uma camélia branca sorri. Eu retribuo, pensativa. Que destino encontrará? As mãos alvas e calejadas daquela que lhe encanta os dias eternos, desde a noite em que o tempo parou, nos rodopios do bailarico em que a tomou nos braços pela primeira vez? Ou a nostalgia de um passado que lhe fugiu, encerrado nas memórias do brilho perene dos seus olhos verdes, da melodia de alento que era a sua voz? Estremeço. O homem entra e a camélia desaparece na sombra da pesada porta de madeira. Com ela, as minhas divagações. Nunca saberei o seu fado.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

O fim do sonho



Ainda te sinto em mim. Distante, o calor do teu corpo sobre o meu é uma vivida lembrança dos dias fantasmas que já não partilhamos. Suspiro; o tempo não volta atrás. Porque haveria? Já nem a espontaneidade de um olhar ou o carinho de um sorriso suportamos. Gostava de te ter beijado ao primeiro luar. Na minha mente, tudo teria sido diferente. Gostava de ter calado as palavras que sempre e inevitavelmente me afastam do presente. Tudo teria sido diferente. Teria? Porque não podemos simplesmente voltar à noite de Verão em que por momentos fomos um, a tua mão a agarrar o meu cabelo, os teus lábios a descobrirem a topografia dos meus? Sem amarras, sem questões, súbditos apenas da paixão, apenas tu e eu. Subitamente, tudo se esfumou. Odeio a incerteza que agora guia os meus dias. Odeio a forma como me fazes sentir. Odeio a indefinição que nos tornámos. Porque insisto? Já não existe nenhum “nós”. Cada olhar que evitas, cada silêncio que me atiras à cara, são facadas no coração que me fazem aperceber que o “nós” nunca existiu. E ainda assim não te odeio. E, ainda assim, como gostava de te ter beijado ao primeiro luar…


segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Midsummer Night's Dream


For a minute, we were as one. The music stopped, the voices were but a silent echo in the dark, the people fled, like blotting masses that didn´t matter. Not there, not anymore. A fleeting moment, some might say, but in your arms I felt complete. We kissed with the urgency of the discovery and the passion of lovers with a lifetime waiting for them.

I woke up. Did I? We´re apart but your presence still haunts my days. The nights are muffled despairs, longing for answers to questions I didn´t even ask.

For a moment we had the world. For a moment we were the world. Not here, not now. We can´t go back. It shattered when we looked away in doubt. We can´t repeat the past. At last, do we have the courage to make the future a certainty and not a dream?


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Desencanto



Sacudo-te do calor do meu corpo sem arrependimento. A mágoa afasta-se, pequeno ponto distante pelo retrovisor, dissuasora da tentação de regressar. Um dia fomos felizes. Juntos, não sei se o voltaremos a ser. Beijaste-me na noite fugaz, ao coberto da timidez e da ilusão, num sonho não partilhado. Esbarrei na tua imaturidade, qual parede que inconscientemente ergueste. Minto. Como não te podias aperceber das consequências dos teus actos? Como esperavas que eu te pudesse acolher na intimidade do meu abraço, passiva e cega às falsas verdades e doces mentiras com que me espezinhaste? Não sou e não serei o teu porto seguro na solidão alcoolizada dos dias que se arrastam. Perdeste-me quando o teu olhar me quis seduzir mas não me abarcou; perdeste-me na noite em que preferiste o acaso do jogo à honestidade da palavra.