"Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.

(in Memorial do Convento)

domingo, 1 de dezembro de 2013



Repouso no banco de jardim, encostada aos doces versos de António Aleixo. Vejo-o chegar, chapéu de feltro e um olhar de carinho e antecipação. Pousa a bicicleta contra a parede de branco caiada e, no que supus já ser um ritual, começa a devolver os pertences à sua morada de setenta anos. Primeiro a cana de pesca, totem de maresia e Guadiana, cúmplice de histórias várias e companheira silenciosa de tantas outras reflexões. Segue-se a caixa de utensílios, um saco de compras, uma outra pequena caixa. Por último, resta-lhe apenas o velho velocípede. É então que reparo no cesto. Sozinha naquele aparente mundo masculino, uma camélia branca sorri. Eu retribuo, pensativa. Que destino encontrará? As mãos alvas e calejadas daquela que lhe encanta os dias eternos, desde a noite em que o tempo parou, nos rodopios do bailarico em que a tomou nos braços pela primeira vez? Ou a nostalgia de um passado que lhe fugiu, encerrado nas memórias do brilho perene dos seus olhos verdes, da melodia de alento que era a sua voz? Estremeço. O homem entra e a camélia desaparece na sombra da pesada porta de madeira. Com ela, as minhas divagações. Nunca saberei o seu fado.


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